Aline acordou com uma sensação estranha. Se alguém lhe perguntasse, não saberia dizer o que sentia. Não era enjôo, ou talvez fosse. Um nó na garganta, um aperto no peito... Talvez sim, talvez não. O dia lá fora estava melancólico. Talvez fosse isso. Ela sabia que não tinha motivos para reclamar. Sua vida provavelmente era desejada por muitas mulheres. Tudo parecia estar na mais perfeita ordem e harmonia. Mas estaria mesmo? Quem determina o que é ordem e harmonia?
Aline fez força para levantar-se. Já era tarde, mas, felizmente, era domingo e ela não tinha nenhum compromisso. Calçou os chinelos e caminhou vagarosamente até o banheiro. Lavou o rosto e sentiu a água fria que parecia querer despertá-la, reanimá-la. Olhou no espelho e viu sua face. Já não sabia mais se poderia se reconhecer. Era ela mesma? Ou era apenas o que deveria ser? Parecia pálida, lábios com pouca cor, fios levemente loiros caindo sorrateiramente sobre seus olhos azuis e perdidos que vagavam junto com seu pensamento, talvez buscando algum refúgio. Tentou sorrir, não conseguiu.
Aline voltou ao quarto para vestir-se. Escolheu um vestido floral, na tentativa de disfarçar o que lhe corrompia a alma. Escovou os cabelos e os prendeu com um laço. Pingou algumas gotas de lavanda nos pulsos e no pescoço. E novamente tentou sorrir. Dessa vez, timidamente os lábios se movimentaram. Ela, então, fechou os olhos e respirou profundamente, inspirando o ar com todas as suas forças, e tentando expirar tudo o que doesse ou ferisse.
Com passos imprecisos, avançou pelo corredor que nunca lhe parecera tão comprido como naquela manhã. Enquanto passava pelas imponentes portas que habitavam o frio corredor, quis estar sozinha. Desejou que não houvesse ninguém em casa. Desejou apenas o silêncio. Há dias que são assim, há dias em que nada precisa ser dito.
Alcançou o pequeno vestíbulo que precedia a escada. Desceu calmamente os degraus. Não havia sequer um aroma vindo da cozinha que lhe invadisse os sentidos. Tudo estava escuro. Passou a temer que realmente estivesse sozinha. Mas, afinal, não era o que acabara de desejar?
Aline entrou na sala e passou os olhos pelos vasos de flores. Rosas vermelhas que pareciam úmidas, como recém colhidas. Na lareira, o fogo ainda parecia arder em pequenas brasas. Aproximou-se da janela e avistou o jardim. A chuva caía mansa, fraca, quase sem força. Onde estariam todos afinal?
Não havia música, somente o barulho da água molhando a grama por onde muitas vezes havia corrido e sonhado. Desejou voltar no tempo, desejou não saber ou não entender. Lembrou das longínquas tardes em que brincava entre os rosais. Sentiu o aroma de jasmim das árvores próximas ao portão. Sentiu o gosto do refresco de limão que amenizava o calor daquelas tardes inocentes de verão.
Aline deixou-se cair sobre a poltrona. Não adiantava o vestido, não adiantava a lavanda. Nem as lembranças que percorreram sua mente foram capazes de fazê-la sorrir. E, então, ela compreendeu. Não era que não mais amasse e sim que sua maneira de amar havia se modificado.
Capão Novo, 08 de fevereiro de 2010.
Daniela Annes Spera
Aline fez força para levantar-se. Já era tarde, mas, felizmente, era domingo e ela não tinha nenhum compromisso. Calçou os chinelos e caminhou vagarosamente até o banheiro. Lavou o rosto e sentiu a água fria que parecia querer despertá-la, reanimá-la. Olhou no espelho e viu sua face. Já não sabia mais se poderia se reconhecer. Era ela mesma? Ou era apenas o que deveria ser? Parecia pálida, lábios com pouca cor, fios levemente loiros caindo sorrateiramente sobre seus olhos azuis e perdidos que vagavam junto com seu pensamento, talvez buscando algum refúgio. Tentou sorrir, não conseguiu.
Aline voltou ao quarto para vestir-se. Escolheu um vestido floral, na tentativa de disfarçar o que lhe corrompia a alma. Escovou os cabelos e os prendeu com um laço. Pingou algumas gotas de lavanda nos pulsos e no pescoço. E novamente tentou sorrir. Dessa vez, timidamente os lábios se movimentaram. Ela, então, fechou os olhos e respirou profundamente, inspirando o ar com todas as suas forças, e tentando expirar tudo o que doesse ou ferisse.
Com passos imprecisos, avançou pelo corredor que nunca lhe parecera tão comprido como naquela manhã. Enquanto passava pelas imponentes portas que habitavam o frio corredor, quis estar sozinha. Desejou que não houvesse ninguém em casa. Desejou apenas o silêncio. Há dias que são assim, há dias em que nada precisa ser dito.
Alcançou o pequeno vestíbulo que precedia a escada. Desceu calmamente os degraus. Não havia sequer um aroma vindo da cozinha que lhe invadisse os sentidos. Tudo estava escuro. Passou a temer que realmente estivesse sozinha. Mas, afinal, não era o que acabara de desejar?
Aline entrou na sala e passou os olhos pelos vasos de flores. Rosas vermelhas que pareciam úmidas, como recém colhidas. Na lareira, o fogo ainda parecia arder em pequenas brasas. Aproximou-se da janela e avistou o jardim. A chuva caía mansa, fraca, quase sem força. Onde estariam todos afinal?
Não havia música, somente o barulho da água molhando a grama por onde muitas vezes havia corrido e sonhado. Desejou voltar no tempo, desejou não saber ou não entender. Lembrou das longínquas tardes em que brincava entre os rosais. Sentiu o aroma de jasmim das árvores próximas ao portão. Sentiu o gosto do refresco de limão que amenizava o calor daquelas tardes inocentes de verão.
Aline deixou-se cair sobre a poltrona. Não adiantava o vestido, não adiantava a lavanda. Nem as lembranças que percorreram sua mente foram capazes de fazê-la sorrir. E, então, ela compreendeu. Não era que não mais amasse e sim que sua maneira de amar havia se modificado.
Capão Novo, 08 de fevereiro de 2010.
Daniela Annes Spera
Então, minha mulher também é contista! Não sabia, não. Mas ela é assim mesmo: surpreendente, meiga, carinhosa, bonita, inteligente e acima de tudo, amada.
ResponderExcluirLove you, dannes. Hoje e sempre.
Bacci!
O seu estilo é envolvente, conciso,claro e ao mesmo tempo poético e animador Apreciei muito seu texto e a clareza do pensamento: simples e profundo!
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