sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Deus existe e é piadista

Cena 1

Jovem casal vai ao shopping fugindo da doméstica conversadeira. Sentam na área de alimentação para tomar um suco.

Mulher: Percebo que estou gostando cada vez menos de interagir com as pessoas. A comunicação é muito melhor quando virtual. Por isso, sou fã de e-mails.

Marido: Estás virando uma misantropa.

Cena 2

Após visitarem algumas lojas e efetuarem algumas compras, o casal resolve almoçar. Na mesma área de alimentação, após ter pedido seu peixe com legumes, a mulher procura uma mesa para sentar-se enquanto o marido se serve no buffet.

No meio do alvoroço, a mulher encontra uma mesa e se senta. Em menos de um minuto, o senhor sentado à mesa ao lado puxa conversa.

Senhor: Nossa, quanto movimento nesse shopping. Primeira vez que venho aqui, mas estou surpreso com o movimento.

A mulher sorri e concorda.

Senhor: Sabes que eu gosto de pescar? Esses dias, fui pescar. Não vais acreditar, pesquei uma tartaruga. Meus amigos perguntaram que tamanho tinha a bicha e eu, muito brincalhão, respondi que era do tamanho de um fusca.

A mulher, que detesta ser indelicada, sorri e murmura qualquer coisa. Nesse momento, apreensiva, torce para que o marido chegue logo com esperança de que ponha fim à conversação.

O marido, enfim, chega, mas o senhor não se intimida e continua conversando. Conta que é motorista profissional, que está aposentado, que gosta de viajar. Narra diversas aventuras da época em que cruzava o estado dirigindo um ônibus de turismo.

A mulher, a essas alturas, já teve que responder ao senhor algumas vezes, sempre sorrindo. O marido também não teve muita escolha e se integrou à conversa. E ambos almoçando enquanto o vizinho conversador tomava calmamente um chopp e contava suas histórias.

Findo o almoço, a mulher o marido se despedem do vizinho de mesa que lhes deseja boas festas. Retribuídos os votos, a mulher e o marido se afastam. A mulher já convencida de que Deus existe e é piadista.

Teu nome está em todas as ruas

Teus olhos, em todas as faces

Tuas palavras invadem meus ouvidos

Já nem sei mais onde estou

Me fazes perder todos os sentidos

 

Buenos Aires, 18 de junho de 2012 (04h44m)

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Na Cabeceira: Eduardo Galeano

Entre os livros que estão habitando a minha cabeceira ultimamente, está o “Mulheres”, de Eduardo Galeano, da coleção L&PM Pocket.

Compartilho um dos textos do livro que me tocou pela beleza e sensibilidade.

 

2012-11-14 00.34.10

 

“Conversamos, comemos, fumamos, caminhamos, trabalhamos juntos, maneiras de fazer o amor sem entrar-se, e os corpos vão se chamando enquanto viaja o dia rumo à noite.

Escutamos a passagem do último trem. Badaladas no sino da igreja. É meia-noite.

Nosso trenzinho próprio desliza e voa, anda que te anda pelos ares e pelos mundos, e depois vem a manhã e o aroma anuncia o café saboroso, fumegante, recém feito. De sua cara sai uma luz limpa e seu corpo cheira a molhadezas.

Começa o dia.

Contamos as horas que nos separam da noite que vem. Então, faremos o amor, o tristecídio.”

 

Para inventar o mundo cada dia – Eduardo Galeano