quinta-feira, 18 de junho de 2020

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Cresci com ela. Desde que me entendo por gente, ela sempre esteve ali. Fazia parte de um conjunto com outra igual porém maior do que ela, de centro. Era parte da nossa casa e habitava a nossa sala, de canto. Sempre gostei mais dos cantos.
Passávamos muitas horas na sala. Conversávamos, trocávamos confidências, bebíamos o café, assistíamos à televisão. Novelas, noticiários, filmes de terror, desfiles de Carnaval.
A sala era um dos tantos espaços de convívio familiar na nossa casa. Na verdade, convivíamos em todos os espaços. Na cozinha, na sala de jantar, na varanda, no pátio, nos quartos. Convívio era mesmo o nosso forte, não importava em qual cômodo. Essa presença tão forte por tão verdadeira me acompanha a vida inteira.
Mas voltemos à ela, uma das estrelas da sala. Eu a via assim, até hoje a vejo. Sua principal função era guardar o jornal do dia e dos dias anteriores também. Correio do Povo. Sempre se leu jornal em casa. E sempre se conversou sobre as notícias. Depois que saí de casa, guardavam recortes de notícias para mim, de coisas que poderiam me interessar, e me entregavam a cada retorno.
Hoje ela está na minha sala, nesta nova casa que tenho, embora a casa anterior ainda habite em mim. Sempre habitará. O conjunto se desfez, sua companheira estava quebrada, não havia conserto possível. Mas eu a acolhi, com o mesmo amor que sempre tive por ela, e a trouxe para esta nova casa para que seja estrela agora aqui. Não lemos mais jornais impressos. Hoje é tudo digital. Ela deve sentir falta dos jornais, penso. E, para saciar a fome de conhecimento que ela sempre teve, deixo que ela abrigue meus materiais de estudo. E assim seguimos as duas pela vida. Adaptadas a uma nova realidade sem jamais perder a nossa essência.


Mesa de canto com azulejos - Daniela Annes Spera - Porto Alegre, 13 de junho de 2020


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