quinta-feira, 18 de junho de 2020

Sobre café e amor

Nunca esquecerei como ela me recebia. Sempre com um sorriso e o abraço mais afetuoso que já conheci. Sempre com palavras amáveis, acolhedoras e tão assertivas. Me conhecia de uma vida inteira e sempre me oferecia um café passado, mesmo sabendo que eu preferia chá. Como se me convidasse a experimentar o novo, como se me estimulasse a sair da zona de conforto. Naquela época, eu preferia chá, ainda não havia sido seduzida pelos encantos de um bom café. Sempre após eu recusar o café, ela me preparava um chá. Chá de hortelã, o meu preferido, tal como o dela. Aprendi com ela. Tudo que sei, aprendi com ela. Ela tomava o café, requentado muitas vezes, pois ela passava o café pela manhã e requentava ao longo do dia. E eu tomava o chá. Muitas vezes, o café requentado dava lugar a um café passado na hora. Era a forma dela de mostrar o quanto estimava a pessoa. Era mais uma das tantas formas dela de amar. Conversávamos por horas, sem perceber o tempo passar. Sobre qualquer coisa. E eu me sentia em casa. Eu estava em casa. 
Muitos anos depois, esse mesmo café que representava amor me encontrou de outra forma, preparado por outras mãos. Mãos igualmente importantes e amorosas na minha vida. E, então, nova amante de café, comecei a beber do café dela também. Lamento que tenham sido poucos anos degustando o café dela. Logo ela não pôde mais preparar o café ou o chá. E então foram as minhas mãos que cuidaram dela. Com o mesmo amor. Já não havia mais horas de conversas, pois as palavras se perderam pela obstrução de uma artéria. Mas seguimos com nossas horas de presença e de amor. Ela conversava comigo através dos olhos. E nunca deixou de sorrir. E ela também sabia sorrir com o olhar.


Hoje eu bebo o café e lembro dela. Uma saudade que sempre me habita. Uma ausência que se faz tão presente. Um amor tão grande que transcende a vida. Numa outra casa que hoje é minha e é dela também. E ainda converso com ela. Aprendi a conversar com os olhos. Olhos repletos de saudade e de amor.

Daniela Annes Spera - Porto Alegre, 10 de junho de 2020.

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